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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Natureza Viva

Mara nos estúdios da Rádio Nacional , 1982.
     Pouco tempo depois de sua primeira década, a Rádio Nacional da Amazônia se torna pioneira nas discussões das questões ambientais. Nos anos 90 a emissora coloca no ar o programa Natureza Viva, que em 1992 foi reformulado pelo jornalista Paulo Lyra, numa tentativa de traduzir o conceito de sustentabilidade, difundido durante a Rio 92. 
    Graças a uma parceria entre o Fundo Mundial para a Natureza (WWF- Brasil) e o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), após passar pela reformulação, em 29 de maio de 1993, a então Radiobrás, hoje Empresa Brasil de Comunicação (EBC), dá início a transmissão semanal do Natureza Viva, em nova fase e horário.
  Marina Silva, ambientalista engajada, pedagoga e política brasileira, quando Ministra do Meio Ambiente teve oportunidade de falar sobre a importância do Natureza Viva como um programa que ousou traduzir para os ribeirinhos da Amazônia temas como conservação e desenvolvimento sustentável, em uma época em que a maior parte da população ainda não entendia o que isso significava. 
“Já tive a oportunidade de participar muitas vezes do programa Natureza Viva. Ele alcança várias populações de seringueiros, índios, ribeirinhos, pescadores, quebradeiras de coco, dentre outros” (Marina Silva, 2003). 
    Marina Silva, conclui seu depoimento ressaltando a grande contribuição do programa na luta cotidiana frente aos problemas e desafios ambientais. 
“Dar voz às pessoas para que expressem seu cotidiano do ponto de vista social e cultural. Essa é uma grande contribuição e também uma inovação. É fazer rádio para diferentes segmentos que têm um conhecimento vivencial muito grande, mas não têm espaço para ver esse seu conhecimento ser expresso no todo social. O Natureza Viva ganha por tirar do mais particular, do local, aonde as coisas são mais densas, e devolver para a sociedade. Só se expande aquilo que tem densidade” (Marina Silva, 2003). 
O projeto 
   Concebido para durar apenas três anos, Natureza Viva consolidou-se como um canal de expressão para as lideranças amazônidas e é uma referência na promoção da educação ambiental. Os ouvintes que se comunicam com o programa através de cartas dão prova disso. É o caso da carta desabafo de Quinto Emílio D. de Souza, de Xique-Xique (BA) que usou de lápis e papel para protestar contra a poluição dos rios : 
“Isso é um absurdo. Recomendam que a população ferva a água para o consumo, ou coloque umas gotas de água sanitária na água para o consumo e permitem jogar lixo e água servida,sic, sem nenhum tratamento, nos lençóis dágua...Os rios do nosso país estão se transformando em verdadeiras fossas ambulantes!” (Quinto Emílio D. de Souza)
     Ao longo de seus quase 20 anos, o programa passou por várias fases, mas sempre manteve o formato de revista radiofônica. Inicialmente, ele foi ancorado pela dupla Ida Pietricovsky e Carlos Moreira. Nesse mesmo período, com o apoio do UNIFEM, hoje ONU MULHERES, a jornalista Mara Régia Di Perna, era responsável pelo Natureza Mulher, um quadro dentro do Natureza Viva voltado para a questão de gênero e meio ambiente.
    Concluída essa primeira fase, em 1995 o comando do programa passa a ser dividido por Mara e a radialista Rejane Limaverde. Daí pra frente à experiência se amplia com várias viagens de campo às comunidades. Oficinas de comunicação também começam a ser sistematizadas para ouso do rádio no combate às queimadas e incêndios florestais na Amazônia.
      O Natureza Viva começa a ser reconhecido e premiado. Prêmio Towards 2000, setembro de 1995; Prêmio Embrapa de Reportagem, novembro de 1995; Troféu Gaia,1996. Em junho desse mesmo ano, quando Natureza Viva comemora o ciclo virtuoso de suas premiações, o presidente da Radiobrás, Maurílio Ferreira, assina a ampliação do contrato de parceria com o Ministro do Meio Ambiente Gustavo Krause, garantindo assim a permanência do programa no ar, diariamente das 7:30 às 8h. A assinatura do contrato foi destaque na Voz do Brasil.

Matéria sobre a nova fase do Natureza Viva, assinada por Patricia Novaes, e veiculada na Voz do Brasil (24.06.1996)
     Em 1997, Mara Régia é selecionada pelo concurso de bolsas de estudos e pesquisas da Fundação Mac Arthur com o projeto Mulher nas ondas do rádio, corpo e alma rompem o silêncio. Com base nas cartas da audiência do programa, o projeto se dispôs a potencializar o uso do rádio no trato da saúde da mulher e direitos reprodutivos. 
Mara Régia em companhia das Mulheres da Floresta, Pará, 1977.
 “Olhe, amiga, estou desesperada. Por favor, me ajude. Tenho 52 anos. Tem um tal de corrimento e uma coceira que me perturba muito. Estou tomando remédio caseiro: alho com sumo de mastruz de folha grossa e malva do reino. Mas mesmo assim quando tenho relação, meu marido diz que estou fedendo! Com isto estou de mão na cabeça. Outra coisa, agora estou sentindo uma dor no fundo da virilha. Gostaria que mostrasse essa carta para uma doutora” (Rosa Vermelha de algum lugar da Amazônia).
     Cartas como essa sempre despertam a solidariedade da audiência do programa que compartilha sofrimento com palavras de força e esperança. Sobre o caso de Rosa Vermelha, Maria Amélia do Nascimento de Carvalho, de Curionópolis – (PA) escreveu: 
“...fiquei com muita pena daquela amiga que lhe escreveu... Quero dizer a ela que não se desespere.”
    Durante os três anos do Projeto Mulher nas ondas.... Mara visitou várias comunidades extrativistas nos limites da Amazônia Legal com oficinas de comunicação e saúde reprodutiva.
    Em busca de uma melhor compreensão sobre o funcionamento da geografia do feminino, Mara se utilizava do abacate e da goiaba para a representação do útero e dos ovários. O trabalho final desse projeto culminou com a radionovela “A vida pede passagem, uma história de luz” feita a quatro mãos por Mara e a ginecologista obstetra Lívia Martins que acompanhou Mara em muitas oficinas. 
   A participação das parteiras tradicionais do Amapá também foi decisiva na concepção da radionovela. As indígenas do Oiapoque, por exemplo, com seu canto gravado nos estúdios da Rádio Difusora de Macapá, transformaram os microfones da RDM em berço para história vivida pelo casal grávido, a Sônia e o Carlos, as amigas, Vera e Gilda , o machista, Carranca, e a parteira Ziquinha. Quem relata a importância da produção é um dos ouvintes, Marcos Antonio Tolentino, de Espinosa (MG): 
“Estimada Mara, gostei muito da radionovela “A Vida pede passagem”. Esta novela ressaltou a importância de a mulher fazer o pré-natal e de optar pelo parto natural”. 

Trecho da radionovela "A vida pede passagem, uma história", gravada em dezembro de 1999, nos estúdios da Rádio Difusora de Macapá. 
    Natureza Viva/ Natureza Mulher sempre foi um aliado na luta pela humanização do parto. Durante o desenvolvimento do Projeto Mulher nas ondas…. Mara encaminhou 150 cartas-denúncia à CPI da Mortalidade Materna instalada na Câmara dos Deputados no ano 2000. O dossiê consta dos anais da instituição. 



Mulher nas ondas do rádio, corpo e alma rompem o silêncio 
     O fotógrafo Pedro Martinelli e o documentarista Gavin Andrews registraram a experiência. As fotos de Pedro são propriedade da Fundação e o documentário de Gavin “Somos parteiras”, lançado no II Encontro Internacional das Parteiras Tradicionais do Amapá, maio 2012, pode ser visto em: http://vimeo.com/42920215.
    Na trilha do sucesso dessas iniciativas Natureza Viva foi Finalista Prêmio Ibero-americano, Unicef 1999; Finalista Prêmio Ayrton Senna, março de 2000 e 2001; Prêmio Cidadania, julho de 2002 e 2003.
    Em sintonia com o trabalho desenvolvido como bolsista, Mara também amplia uma rede de repórteres Maritacas e Beija-Flores ligada ao programa na defesa da floresta e no trato das questões de gênero.
      Iracema Freitas Silva, de Conceição do Araguaia, (PA), em uma de suas cartas escreveu: 
“Sabemos que os seus programas têm contribuído de modo geral com muitas informações sobre saúde, educação e direitos das mulheres na nossa região. Nas reuniões de mulheres, elas sempre discutem a respeito do seu programa. Por isso, estamos solicitando a sua contribuição no sentido de divulgar o trabalho da Secretaria de Mulheres, realizado nas diversas regiões do nosso município.”
     A parceria de Rejane Limaverde e Mara Régia encerra-se em 1997. Desde então Mara Régia fica só nos comando dos microfones do Natureza Viva , acompanhada apenas por Maria Bella, personagem infantil, interpretada pela própria Mara, no quadro Natureza Criança.  Belinha nasceu muito antes da criação do Natureza Viva, quando Mara Régia era apenas produtora de alguns programas da Nacional da Amazônia, como o Clube o Ouvinte. Na radionovela infanto-juvenil, História do Dito Gaioleiro, adaptada por Heleninha Bortone do livro “O Fazedor de Gaiolas”, de Jennart Moutinho Ribeiro, e veiculada pela Rádio Nacional da Amazônia, em janeiro de 1980, Mara interpretava a personagem Estelinha, que entre os amigos era chamada de Belinha.
     Maria Bella por mais de mais de 10 anos, de maneira lúdica, fazia educação ambiental com as crianças da Amazônia. Em 26 de junho de 2008 Belinha saiu do ar porque perdeu sua idealizadora, a radialista Heleninha Bortone. O luto transformou-se em homenagem póstuma.

Natureza Viva nas universidades 
    Da mesma forma que as “Cartas da Amazônia” ajudaram Mara Régia a formatar o projeto “Mulher nas ondas do Rádio – corpo e alma rompem o silêncio”, Natureza Viva tem ajudado inúmeros trabalhos acadêmicos nas universidades da Amazônia Legal. Várias teses foram publicadas sobre a presença do Natureza Viva nos seringais. Principalmente no Acre onde desde o ano 2000 o programa é retransmitido pela Voz das Selvas, como é popularmente conhecida a Rádio Difusora Acreana.
   Em 1998, quando a Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) realizou a primeira pesquisa de audiência na área rural da região amazônica, o sucesso do Natureza Viva se traduziu em números. Todos os líderes rurais entrevistados conheciam o programa e 76, 7% deles afirmaram já ter adotado, na prática, pelo menos um conceito ou a informação difundidos pelo Natureza Viva.

Descontinuidade
   Apesar da importância cada vez maior dada às questões ambientais, do sucesso do Natureza Viva, evidenciado na pesquisa da Unimep e da audiência, em meados do ano 2000, o governo de Fernando Henrique Cardoso decide interromper a trajetória do programa com a suspensão do contrato de parceria entre o WWF Brasil e GTA – Grupo de Trabalho Amazônico. 
   O Natureza Viva sai da grade de programação da Rádio Nacional da Amazônia e passa a ser transmitido pela Rádio Difusora Acreana com o apoio do governo do Acre, por meio da Fundação Elias Mansour. Nessa fase, Natureza Viva passa a ser um programa regional, veiculado aos domingos das 5 às 6 horas (horário local), pelo Sistema Difusora de Comunicação, que alcança os municípios de Xapuri, Rio Branco, Sena Madureira, Feijó, Cruzeiro do Sul e Epitaciolândia. Natureza Viva consegue ampliar seu espaço também em rádios comunitárias como Rádio Gameleira FM, do segundo Distrito de Rio Branco.  

Retorno a Rádio Nacional da Amazônia 
    Em 14 de setembro de 2003, já no Governo Lula, o programa retorna à programação da Rádio Nacional da Amazônia com transmissão para toda a Amazônia Legal. Em festa, a audiência comemora: “Ouço o Natureza Viva todos os dias. Adoro tua risada, a gente ri também, não dá para aguentar... Quero lhe agradecer de todo o coração, pois através do Natureza Viva consegui me curar com a receita de alho", esse é o trecho de uma das cartas enviadas por Bernadete Duarte Basílio, de Nova Brasilânda D’Oeste (RO). 

Acompanhe o áudio de retorno do Natureza Viva na Rádio Nacional da Amazônia em 14 de setembro de 2003. 
    No retorno do Natureza Viva a grade de programação da Rádio Nacional da Amazônia, a ouvinte Maria Albuquerque Muniz, de Tucumã (PA) falou da sua paixão pelo programa:
“[...] o Rádio lá para a minha região é igual uma sombra, para onde a gente vai carrega. Para roça, é na cabeça dos tocos, que o pessoal leva o radinho e bota lá e fica ouvindo a equipe Nacional, por que merece, sic. No dia que eu estou em casa é o dia todo. Mara, eu vou lavar roupa, eu levo o meu radinho, dou banho nos locutor da Rádio Nacional, porque cai da taba no igarapé. Dou banho na Mara Régia, dava banho na Tia Heleninha”.
    Já Maria de Lourdes Lanes, de Brasiléia (AC) escreveu: “...É que eu estou tão longe! Eu nem sei quantos dias gastam para uma carta chegar aí”. E assim os ouvintes vão dando a dimensão da realidade em que vive, e evidencia a importância de um programa que fale a sua voz.         
      Já Maria de Lourdes Lanes, de Brasiléia (AC) escreveu: “...É que eu estou tão longe! Eu nem sei quantos dias gastam para uma carta chegar aí”. E assim os ouvintes vão dando a dimensão da realidade em que vive, e evidencia a importância de um programa que fale a sua voz.        
     A volta do programa à Nacional da Amazônia foi comemorada também com o lançamento de um CD com depoimentos de ouvintes e personalidades, como o da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o jornalista Washignton Novaes, a líder comunitária Raimunda dos Cocos, de São Miguel do Tocantins, entre outros.
      O encarte do CD tem ilustrações das cartas feitas pela vovó Maria Almeida Portal, ouvinte de São Domingos do Capim (PA), que ao longo da trajetória do programa tem escrito centenas de carta para a produção do Natureza Viva.     

Proteger II

   Quando o programa voltou para a Rádio Nacional da Amazônia Mara estava engajada no projeto “Proteger – II”, do GTA- Grupo de Trabalho Amazônico. O Proteger II tinha sob sua responsabilidade a execução de 18 laboratórios de rádio em 07 estados da Amazônia Legal com o objetivo de combater as queimadas e dar visibilidade às experiências sem uso do fogo na região Norte.
   O projeto fez do Natureza Viva matriz para a produção de vários programas voltados para a proteção da natureza, e assim ampliar ainda mais a rede de comunicadores populares, chamados de Maritacas e beija-flores.   
    Em reconhecimento a todo esse trabalho na articulação e mobilização das mulheres amazônidas e por sua atuação contra as desigualdades de gênero através do rádio no Natureza Viva / Natureza Mulher, em 2004 Mara Régia foi indicada ao prêmio Cláudia , categoria Trabalho Social.      A audiência, mais uma vez, comemorou, José Maria da Silva Araújo, de Medicilândia (Pa) escreveu :
“Você está de parabéns por este fantástico programa, que nos ajuda muito com informações importantíssimas para todas as mulheres, enfim para todos nós. Mara, eu trabalho como Agente Comunitário de Saúde, na Comunidade Sagrada Família. Trabalho com 50 famílias, pesando as crianças, orientando as famílias. Todos os meses nós se reúne para fazermos a multimistura. Com o seu programa e suas informações aprendemos cada vez mais”. 
    O trabalho de Mara Régia voltado para as questões de gênero e meio ambiente contribuiu para que 2005 fosse um ano especial na vida da jornalista. Acompanhada por 52 renomadas brasileiras Mara foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz, pelo projeto 1000 Mulheres pela Paz. Nesse mesmo ano, Mara Régia é classificada em terceiro lugar no prêmio Chico Mendes de Meio Ambiente.    
    Na edição seguinte do prêmio Chico Mendes, Mara volta a ser indicada ao prêmio. Na ocasião a jornalista, escritora e documentarista Eliane Brum em uma carta poesia, que levou o nome de Carta da Floresta, assim apresentou Mara:
“Mara Régia Di Perna é do tipo que a lenda chega antes, muitas curvas de rios, igarapés, cachoeiras, corredeiras antes. Aconteceu comigo. E acontece com cada repórter, autoridade ou viajante que bota o pé na Amazônia. A nossa cara, o jeito, as roupas, denunciam que viemos do Brasil de longe. E naquelas lonjuras, eles detectam não um rosto, mas uma voz. No ritual de aproximação, em que o visitante e o visitado tentam achar um ponto de ligação, algo que nos torne do mesmo país, que una nossas diferenças, Mara Régia aparece” (Leia a integra da carta).
  Mara fica em primeiro lugar na categoria Arte e Cultura. O prêmio concedido pelo Ministério do Meio Ambiente é uma forma de valorizar projetos que contribuem para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.       
   Para Mara Régia essa premiação é uma espécie de 2a. certidão de nascimento. É como se ela tivesse nascido de novo na AMAZÔNIA, seu território de amor e de luta em prol dos povos da floresta.